quarta-feira, 9 de maio de 2012

E depois do Adeus...

Não estranhem o prolongar das palavras, os agradecimentos, as lamechices e os relatos. Não estranhem o tom de saudosismo ou a frontalidade. Esta foi a crónica mais difícil de escrever de todas, mas porque está ligada a uma decisão também difícil: arrumar as botas e a pasta, ao final de 9 anos. E as palavras teimam em não sair...


Em Outubro de 2003, dei um murro na mesa e disse ao meu Pai que queria deixar a Banda Filarmónica de Pêro Pinheiro e que queria ir jogar futebol para o clube da terra. Torceu o nariz, piscou o olhos várias vezes, pensou, voltou a pensar, mas depois lá disse: 'porque não? Vai lá'. E lá fui eu, aos 13 anos, em busca do desconhecido. Não sabia dar um pontapé numa bola, não tinha noções de posicionamento táctico, não tinha nada. Mas após muito esforço e determinação, comecei a adquirir os processos básicos do futebol. Agradeço ao Mister Carlos Ochoa por ter sido o grande percursor da minha carreira como jogador, que durou 6 anos. Foi ele quem despertou o meu interesse pelo futebol, mas também foi a primeira pessoa a mostrar a outra faceta da modalidade: a formação de personalidades.
Tive o maior orgulho em representar o Clube Atlético de Pêro Pinheiro (CAPP) como jogador, durante 6 anos. Vivi emoções que nunca mais vou viver na vida, muito provavelmente. O espírito de grupo, as derrotas no último minuto, as vitórias nos últimos segundos, a tristeza e a dor das lesões, os grandes amigos que fiz para a vida, o orgulho de ter sido capitão de equipa nos escalões de formação (Iniciados, Juvenis e Juniores), os treinos à chuva, ao vento e ao frio...
Se chorei por um clube, se derramei sangue por um clube, foi pelo CAPP. Jogar neste clube era a mesma coisa que jogar pelo nome da localidade, onde quer que fossemos. E eu era feio, porco, mau, sujo, porque defendi com todas as minhas forças o nome de Pêro Pinheiro. Mas no final, saía sempre de consciência tranquila, porque dei o meu melhor.
Um dos episódios mais marcantes passou-se no 1º ano de júnior (há memórias que nunca mais acabam! Dava para fazer um livro), no momento em que me lesionei no joelho esquerdo. Tive que ser substituído ainda antes do intervalo. Depois da assistência do massagista, fui para o balneário, e lá chorei sozinho, agarrado à camisola do clube. Chorei, chorei e chorei. Porque os rapazes também choram. 4 meses de lesão, mas depois voltei com mais vontade e força para fazer melhor.
Fiz o meu último jogo na Torre, em Cascais, envergando a braçadeira de capitão, com uma vitória no bolso por 2-0. Dever cumprido.

Depois de terminada a minha carreira como jogador do clube, fui convidado em Maio de 2009 pelo meu treinador da altura, Miguel Ferreira, a integrar a equipa técnica dos júniores, como adjunto. Disse-me uma vez, antes de um jogo em Trajouce, que eu 'era a sua extensão dentro do terreno de jogo'. Talvez por isso, o nosso entendimento tenha sido mútuo e bastante positivo. Abracei este novo desafio, numa função diferente, mas com uma responsabilidade redobrada. Foi o primeiro passo para aprender a lidar com a pessoa que existe para além do jogador. O processo de comunicação e de tomada de decisão estavam presentes a toda a hora. Muitos jogadores tinham sido meus colegas de equipa, mas sempre me respeitaram e ouviam com bastante atenção as minhas palavras. Fizemos uma excelente temporada, e agradeço ao Miguel por ter lançado as bases do meu futuro nestas funções. Foi uma pessoa extraordinária, com métodos inovadores e irreverentes, que deixaram muita gente com comichão no céu da boca, mas eu prefiro seguir os loucos, sair da minha zona de conforto e fazer algo que um dia me possa orgulhar. E isso devo ao Miguel, que foi o meu Júlio Isidro! Ainda hoje utilizo o vocabulário e os métodos de treino que me foram ensinados por este vendedor de máquinas de jardim e de motosseras do Cacém. Uma pessoa que me marcou bastante, sem dúvida.
Em 2010, no 2º ano de adjunto dos júniores, veio o Mister Rosalino e fizemos uma temporada aceitável, que teve um final amargo, pois a subida de divisão ficou hipotecada na última jornada. Não me identifiquei a 100% com a metodologia de treino e com a filosofia de jogo, mas aprendi bastante. Também um obrigado ao Mister Rosalino.

Em Maio de 2011, decidi colocar um ponto final à minha relação com o CAPP. Estava saturado do clube, mas sobretudo das pessoas. Porque o clube está lá sempre, as pessoas é que vão passando. Saí com uma certa mágoa, porque penso que não me deram o devido valor. Mas engolir sapos faz parte da vida e não posso ser hipócrita. É o clube da minha terra e gosto dele como poucos. Sou sócio, resido a 200 metros do campo e tenho lá amigos, portanto ser-me-à difícil cortar o cordão umbilical.
Durante o Verão de 2011, pensei mesmo que ia arrumar de vez o material do futebol, mas fizeram-me um convite aliciante. Através do Fábio Courelas, Eduardo Pardal e Vando Albuquerque, foi-me feito o convite para integrar a equipa técnica dos seniores do Alcainça Atlético Clube, que iria disputar a 1ª Divisão Distrital da AFL. Após alguma ponderação, acabei por aceitar e embarquei na experiência mais exigente da minha vida.


Trabalhar com jogadores seniores é algo bastante complexo. No plantel, só tinha um jogador mais novo do que eu, e o choque de idades fez-se notar. Os problemas dos mais velhos são completamente diferentes dos problemas dos jovens. Trabalho, filhos, contas para pagar... e esta foi a parte mais gratificante destes 10 meses, ter lidado com os jogadores mas também com a sua personalidade e formas de encarar a vida.
Não foi um caminho fácil, sobretudo porque não se consegue identificar a 100% com todos os jogadores, mas quando se gosta daquilo que se faz, estamos lá de corpo e alma. Os primeiros 4 meses foram tremendamente desgastantes, pois andava a estudar, a trabalhar e ainda tinha os treinos 3 vezes por semana e os jogos ao Domingo. Mas são estas coisas que nos fazem crescer, porque sempre me ensinaram a assumir as minhas responsabilidades. 
Os meus pais não acharam muita piada, pois o clube não era da minha terra e eu andava a gastar demasiado tempo do meu dia a dia. Apontaram-me o dedo várias vezes, mas posso dizer que fui mais forte do que eles. Porque estava a fazer uma coisa que realmente gostava, o que é raro nos nossos dias, onde as pessoas saem de casa com uma tromba enorme e entram ao final do dia exactamente com a mesma cara.

Foi uma temporada exigente, marcada por muitos acontecimentos, uns piores, outros melhores. 30 jornadas, 30 lições diferentes. Mas foi um privilégio ter conhecido tanta gente boa, e mesmo trabalhando com todas e mais algumas limitações, conseguimos alcançar o nosso objectivo principal, que era a permanência na 1ª Divisão.
Em Alcainça aprendi o valor da exigência, do trabalho, da responsabilidade, mas também o da amizade. Pessoas simples e trabalhadoras, com uma história de vida por trás. O clube tem uma grande margem de progressão, basta dar os passos um de cada vez e a seu tempo as coisas vão melhorando. As crianças e os jovens de Alcainça, que são em grande número e que me surpreenderam pela sua vivacidade, devem dar valor à obra que o clube fez.
A época fica manchada pelo acontecimento triste da Venda do Pinheiro e pelo consequente castigo, mas nada disso nos tirou forças para fazermos mais e melhor. Ficam as emoções fortes, as vitórias suadas, o apoio incondicional de dezenas de pessoas, os jantares intermináveis e as amizades para a vida.
Falta-me falar do André, peça fundamental no meio disto tudo. Jovem e determinado, nunca virou a cara à luta, assumindo sempre os seus erros. Aprendi muito com ele, e foi uma das maiores surpresas que tive no futebol. Antes de o conhecer, tinha uma imagem diferente. Mas depois de trabalhar com ele, de compreender as suas ideias, a imagem mudou, e muito. E dou-lhe grande valor pelos ensinamentos que me incutiu e pelo espírito de resistência. Gostei muito dos seus métodos, da forma como transmite a mensagem aos jogadores e da simplicidade de processos. Irá dar cartas no futuro, certamente, e quando chegar lá ao topo, eu poderei dizer: 'eu trabalhei com aquele gajo!'. Obrigado por tudo, André.

Saio do futebol por razões simples. A minha vida está a definir-se, o curso superior prestes a terminar, o mercado de trabalho a aproximar-se, o aumento das responsabilidades. É fundamental saber-nos localizar no tempo e no espaço, e muitas vezes, temos que nos afastar das coisas para percebemos realmente se é daquilo que gostamos. E chegou a altura de me afastar. Saio apenas desiludido com a qualidade das arbitragens e com alguns dirigentes que poluem o futebol português. Mas também saio pela porta grande, por tudo aquilo que fiz e pelas centenas de pessoas que conheci, que acrescentaram muito valor à minha vida.
Um dia mais tarde, o objectivo passa por tirar o Nível I de treinador. Quando, não saberei. É por isso que digo: não é um adeus... será sempre um até já.

Agradecimentos:
- Mister Ochoa, por ter lançado as minhas bases no futebol
- Joaquim Martins, pelas mensagens de vida que me transmitiu, ficou um grande amigo
- Miguel Ferreira, o meu Júlio Isidro, com uma personalidade forte e marcante, tem uma grande margem de progressão no futuro
- André Conceição, por ter arriscado na minha presença ao seu lado, pela sua personalidade e capacidade de superação, vejo nele um grande futuro
- Ao Sintrasport
- Ao CAPP e ao AAC
- A todos os colegas de equipa que partilharam o campo comigo
- A todos os meus jogadores, que ao longo destes 3 anos foram a razão da minha aventura
- À minha namorada, que sempre me apoiou e acompanhou nestas loucuras

Um sincero obrigado, por tudo.
Até breve...

GC


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