quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Não Há Almoços Grátis


Parece-me que Portugal abanou de vez. A notícia do aumento de impostos fez disparar uma onda de indignação pelas redes sociais e pelos meios de comunicação social, como tem vindo a ser apanágio. As pessoas na rua não falam de outra coisa e andamos todos com a cabeça no chão. Mas será que há alternativa, um outro caminho a percorrer que seja menos penoso para todos nós? Calcem uns ténis confortáveis e embarquem neste trilho sinuoso que vou explorar.

Como sabem, Portugal enfrenta uma grave crise económico-financeira. Os indicadores como o PIB, taxa de desemprego, inflação, bem como a falta de financiamento da economia são motivos sérios para as pessoas comprarem antidepressivos como se não houvesse amanhã. Mas será assim tudo tão linear? As contas do nosso país sofrem de problemas estruturais, ou seja, que já vêm de muito trás. A economia portuguesa baseou-se na transferência de postos de trabalho do sector secundário para o terciário (prestação de serviços), deixando um buraco tremendo na agricultura e na indústria. Deixámos de ser competitivos em termos salariais, porque os países da Europa de leste e asiáticos oferecem melhores condições para a redução de gastos associados à produção.
Os nossos irmãos, primos e amigos tiraram licenciaturas com a expectativa de virem a construir uma carreira sólida e com perspectivas de progressão, mas as exigências do mercado são cada vez mais. Desde 2008, que andamos mergulhados numa penumbra sem precedentes, com notícias quase diárias sobre empresas que são deslocalizadas ou que vão à falência, o drama das famílias para pagarem as contas ao final do mês, o flagelo do desemprego, os gastos exorbitantes dos políticos e os escândalos financeiros. No fundo, tudo isto é o nosso triste e ridículo Fado, pois somos nós mesmos que traçamos o nosso caminho.

Em vez de me indignar nas redes sociais, como é da moda, contra as touradas e contra mais austeridade, prefiro fazer as coisas de outra maneira. Já que não sou muito dado a discussões políticas nem futebolísticas (dois temas que recuso comentar em público, pois podem originar situações menos agradáveis), decido expor o meu ponto de vista escrevendo estas palavras.
Somos sem dúvida um país de memória curta. 
Milhões de euros e milhares de Km's depois, temos autoestradas onde circulam um número ridículo de carros por dia. Foram assinadas Parcerias Público Privadas (PPP's) para a construção de SCUT's e de outros empreendimentos, baseadas em taxas de retorno elevadíssimas, que afinal estavam todas marteladas. Se olharem para a vossa factura da electricidade, podem constatar que uma grande parte do valor despendido segue directamente para financiar os estrondosos investimentos em energias renováveis... já para não falar da Taxa Audiovisual, que serve para pagar os ordenados do José Carlos Malato, Jorge Gabriel e da Catarina Furtado. 
Os milhões de euros em fundos comunitários que foram desaproveitados, sobretudo na área da agricultura. Os gastos inexplicáveis na Parque Escolar, os estádios de futebol construídos para andarem às moscas. A lista é interminável, mas como podemos constatar, somos peritos a deitar dinheiro para o lixo. Baseámos o nosso crescimento económico no dinheiro do Estado, através de obras públicas e subsídios. Mas a fonte estatal secou. E os autotanques que trouxeram água vão exigir muitos sacrifícios.

Todos nós temos a quota parte de culpa nesta história. Um defeito inegável do português, gastar mais do que pode. A criação de emprego é sobretudo baseada no consumo. Se consumimos mais, há mais dinheiro a circular e existe a criação de postos de trabalho. Como gastávamos mais do que tínhamos, auxiliados com os créditos pessoais, o panorama permaneceu estável até 2008. Depois disso, deu-se a explosão mundial. Os bancos deixaram de emprestar dinheiro à economia e às pessoas, as empresas tiveram que despedir trabalhadores e obviamente, sem dinheiro disponível, a procura interna ressente-se. Menos consumo, menos postos de trabalho. Coloquem isto na vossa mente: o verdadeiro capitalista não é a entidade patronal, mas sim o consumidor, que tem a possibilidade de criar postos de trabalho. E a nossa economia, assente em pressupostos de consumo, ficou abalada. Hoje em dia, assistimos a um ajustamento sem precedentes nas contas públicas. Os erros do passado são como as lapas, agarram-se à rocha e muito dificilmente desaparecem. Só com muita perseverança, tenacidade e coragem é que podemos descolar as muitas lapas que nos foram deixadas.

Em 1977 e 1983, o FMI bateu à nossa porta. Desemprego, inflação elevada e a desvalorização do escudo foram sobretudo as razões da intervenção internacional. Estes problemas foram resolvidos da seguinte forma: redução de salários (privados e públicos), cortes nos subsídios e subida de impostos. Naquele tempo, podia-se desvalorizar o escudo para tornar as exportações portuguesas mais competitivas, mas hoje esse mecanismo é impossível, pois estamos numa zona de moeda única. Não se pode imprimir moeda porque isso iria originar uma inflação descontrolada. Logo, a receita actual segue quase os mesmos pergaminhos das duas anteriores visitas do FMI.
Estas medidas têm como finalidade a retracção do consumo, reestruturação do mercado de trabalho, equilíbrio das contas públicas e crescimento económico baseado nas exportações. Deixo de seguida, uma lista com sugestões pessoais, que a meu ver, poderiam ajudar na estabilização da nossa economia:

- privatização de empresas estatais (TAP, CP, ANA... com a manutenção de participação maioritária)
- descida do IVA na restauração e hotelaria para 13% ou taxa similar, pois são sectores estratégicos na economia nacional
- aposta nas exportações e internacionalização das empresas (vestuário, calçado, estaleiros navais, empresas de alta tecnologia, cortiças, vinhos...)
- extinção ou fusão de fundações e corte nos subsídios concedidos (Sr Mário Soares, se me estiver a ler, não se esqueça duma coisa, quando o FMI veio cá das duas vezes anteriores, sabe bem quem era o primeiro ministro na altura. Por isso, antes de apontar o dedo, certifique-se que tem a sua mãozinha limpinha)
- extinção de empresas públicas que possuam elevados prejuízos acumulados
- corte nos subsídios a actividades culturais e afins (não se admite que um filme patrocinado pela televisão pública tenha menos de 5000 espectadores no cinema. Façam-se à vida e arranjem mecenas privados)
- cortes nos vencimentos dos deputados e gestores públicos (por uma questão de moral e de princípio, ninguém na função pública deveria ganhar mais do que o Presidente da República)
- corte nos vencimentos das Forças Armadas (tema sensível, mas o que é certo é que existem altas patentes a mais, com elevadas regalias)
- estimular a produção nacional de alimentos, pois o nosso país importa mais do que exporta nesta área, criando um défice alimentar (regresso à agricultura, pecuária e afins)
- colocar os reclusos, pessoal do RSI e militares a limpar as matas estatais, pois os fogos florestais acarretam milhões de euros em prejuízos, por ano
- modernização das linhas ferroviárias, com a aposta no tráfego de mercadorias, criando ligações estratégicas (ligação do porto de Sines, Leixões e Lisboa ao resto da Europa)
- aumentar a eficácia da Justiça (aumentar os polícias, sim leram bem. Aplicação de regras mais duras para os casos de roubo, homicídios e crimes económicos. Cândida Almeida disse que os nossos políticos não eram corruptos. Gostava de saber qual foi o vinho que ela bebeu antes de dizer isto)
- impostos mais elevados para quem recebe mais (sobre património, capital e rendimentos)
- reformulação no SNS. O Estado devia pagar parte da formação de médicos e enfermeiros, mas estes teriam que trabalhar em exclusivo durante 6 a 8 anos para o SNS
- etc

Poderia continuar aqui o dia todo, mas não me apetece. 
Se me perguntarem se concordo com as novas medidas de austeridade anunciadas pelo Primeiro Ministro e pelo Ministro das Finanças, eu responderei: 'em tempos de excepção, medidas de excepção'. E ninguém pode negar que enfrentamos tempos de excepção, devido aos já referidos erros estruturais. 
É inevitável, a classe média suportará mais uma vez grande parte do ajustamento financeiro que foi exigido ao país. Temos que redefinir hábitos de vida. Ir jantar fora menos vezes, ir ao cinema menos vezes, sair de casa para fazer desporto (ginásio, bicicleta, jogging), deixar de fumar, tomar o pequeno almoço em casa, colocar lâmpadas de baixo consumo, reutilizar roupas, inovar nas refeições, desligar o standby dos electrodomésticos... e por aí em diante. Uma família com dois filhos em idade escolar, com um rendimento mensal na casa dos 1500€ mensais, com contas para pagar, neste momento pode-me mandar à merda. Um desempregado de longa duração também me pode mandar à merda. Mas nada se faz sem esforço.

O nosso Portugal está a transformar-se. Necessita de pessoas qualificadas e com vontade de vencer. Um curso superior bem escolhido, com uma taxa elevada de empregabilidade é meio caminho andado para o sucesso. Segundo a OCDE, quem tem um curso superior ganha mais 69% do que uma pessoa que só se ficou pelo ensino secundário. Já o defendi aqui e volto a defender, a reestruturação de um país deve começar pela educação. Profissões altamente especializadas, como as engenharias, finanças, medicina, ciências e por aí fora, são sempre mais valias. Se o mercado nacional está saturado, temos que apontar baterias noutro sentido. O português é conhecido por se desenrascar. Se descobrimos meio Mundo apenas com astrolábio e bússola, podemos bem triunfar noutros locais.

É hora de deixar os populismos e as manifestações de caracácá de lado. Acho piada às pessoas que dizem: 'isto só lá ia com um Salazar ou dois'. Agora que as medidas estão a ser tomadas, todos metem a cabeça na areia e criticam quem tem a responsabilidade do poder. PSD, PP, PS, todos eles têm quota parte de culpa, pois caímos num poço, onde por momentos deixámos de respirar. Temos que ser sérios, ver menos televisão, sermos menos influenciados por opiniões incendiárias, trabalhar mais e apostar na meritocracia. Se os nossos salários fossem indexados à produtividade, a maior parte do país recebia menos do que o salário mínimo. Ser produtivo significa acrescentar valor ao bem ou ao serviço, mas sobretudo à empresa. A nossa cultura empresarial tem que mudar, as chefias ainda usam muitas palas na cabeça, o que inviabiliza o crescimento económico.
Não há almoços grátis por isto mesmo. Tudo na vida tem um preço, e neste momento esse preço chama-se 'austeridade'.

Esqueci-me de uma coisa essencial. Das pessoas que tanto criticam as novas medidas de austeridade, quantas delas votaram nas últimas eleições? E nas anteriores? A isto chama-se 'memória curta'.
Mãos à obra, há muito que fazer.

'Em Portugal, as pessoas são imbecis ou por vocação, ou por coacção, ou por devoção.' {Miguel Torga}

Boas leituras,
GC