Caros leitores, por imperativos de agenda, não poderei publicar as minhas habituais crónicas nestas duas próximas semanas. Continuarei a colocar as frases mais profundas da rubrica "Ler, Pensar e Agir", pois não requerem muita elaboração e introspecção. Assim, para matar alguma fome, deixo vos um excelente texto sobre as virtudes do erro, que não foi escrito por mim, mas que merece uma atenção profunda a cada palavra que é lida.
Em breve, voltarei ao fervor das minhas palavras, com a mesma frontalidade de sempre. Obrigado pela vossa compreensão e não deixem de visitar o Sweet Dreams, porque vocês são a razão desta aventura burlesca.
Boas leituras,
GC
"Nascia-se. Estudava-se. Entrava-se na universidade. Eles queriam ser
engenheiros, advogados ou doutores, elas professoras, secretárias ou
enfermeiras. Casava-se com alguém do sexo oposto. Os filhos jogavam à
bola na rua. Comprava-se um carro com quatro rodas e adquiria-se um cão.
Aguentava-se a família.
Havia a roupa da semana e do
fim-de-semana. As compras eram feitas na mercearia do bairro. Os
jornais liam-se apenas no papel. Havia só dois canais de TV. Ouvia-se
Stones ou Beatles. Via-se Coppola ou Martin Scorcese. E era-se feliz
para sempre.
Estou a exagerar. Mas não há muitos anos o ideal de
vida era esse. O mundo era mais ordenado. Havia menos escolhas. As
decisões eram mais fáceis. Agora as fantasias de felicidade
pulverizaram-se e passamos o tempo a imaginar que podemos ser o que
quisermos, o que em vez de ser libertador pode causar ansiedade.
Casar.
Não casar. Juntos. Separados. Coabitando. Ou convivendo maritalmente.
Homem com mulher. Homem com homem. Mulher com mulher. Homem com
mulheres. Com filhos biológicos. Adoptados. Através de inseminação
artificial. Barriga de aluguer.
Ou simplesmente não ter. Entrar
para a faculdade, escolher entre centenas de cursos, Bioengenharia,
Ecologia Aplicada, Podologia? Abrir um negócio, optar por partir ou por
ficar, estudar ou trabalhar, aqui ou lá fora, enquanto os filhos se
abandonam ao surf, ao chat, ao tweet, ao zapping, ao download ou ao streaming.
No
hipermercado cada prateleira é um labirinto. Escolher um azeite é uma
viagem, virgem, refinado ou puro, bom para o cérebro ou para a pele,
enquanto os preservativos são de látex, plástico, de tripa de ovelha, às
cores, bolinhas, temáticos, de todos os formatos e tamanhos,
transparentes ou até extratransparentes.
A vida padronizada era
menos frenética, mas mais segura. Era fácil acertar. Agora ficamos
indecisos, ansiosos ou paralisados com tantas opções. Vivemos imersos
no paradoxo da escolha, onde o excesso enfraquece a própria escolha.
Temos medo de errar. As expectativas são tão inflacionadas, por causa
das muitas possibilidades, que imaginamos que a escolha perfeita
existe.
Toda a gente quer ter a certeza que escolhe bem,
somos educados para não errar, mas nesse movimento temos dificuldade
em lidar com a inevitável frustração, porque não vamos conseguir tudo a
que aspiramos. A solução não é pedir ao tempo que volte atrás.
É
perder o medo de errar. É tomar decisões. É perceber que as certezas
absolutas não existem e saber conviver pacificamente com a dúvida.
Nesse sentido o erro devia ser valorizado e não tratado de forma
paternalista. Errar não é só humano, pode ser bacano.
O
que seria de nós sem ele? As utopias, por exemplo, só são possíveis sem
esse receio de errar. Acreditamos nelas. Pomo-nos a caminho. Tentamos
erguê-las. Sempre que o fazemos desiludimo-nos inevitavelmente, porque
nunca vamos conseguir tudo o que idealizámos. Mas se não o ousássemos o
mundo seria um lugar mais estéril."
Vitor Belanciano
Público 5-10-2011
GC, muito boa partilha. SP
ResponderEliminarObrigado pelo feedback! E continuação de boas leituras :)
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