quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sensibilidade e Bom Senso


Recentemente, tenho notado que algumas das pessoas que me são mais próximas estão com problemas com os seus melhores amigos. Ou que supostamente deveriam ser os seus melhores amigos. O tema desta crónica versa sobre isso mesmo: amizades, desilusões, evolução, ambições pessoais e por aí fora. Quem é que nunca ficou desiludido com um amigo? Quem nunca criticou um amigo pelas costas? Vamos lá a saber.

No que toca às amizades, quando somos crianças tudo é muito bonito. Na escola primária e no básico fazemos promessas e juras eternas de amizade, que estaremos lá um para o outro quando o mal bater à porta e que iremos muitas vezes à praia ou beber um copo quando assim for necessário. Chega o secundário e aí dá-se um ligeiro impacto, com novos colegas e novas rotinas. No meu caso, fui para uma escola secundária diferente dos meus amigos, e hoje em dia não me arrependo nada, pois conheci excelentes pessoas que ainda hoje fazem parte do meu quotidiano. No secundário, ainda vivemos aquela ilusão da idade, das festas, das descobertas sexuais, das discussões com os pais e da tentativa de ganhar independência. Os amigos são inseparáveis, vão às tuas festas de anos e saem à noite como se não houvesse amanhã, empunhando os copos cheios, com brindes infindáveis.

Chega a faculdade, e aqui dá-se o grande choque das nossas vidas. Somos obrigados a fazer uma ruptura com a nossa zona de conforto, pois os nossos amigos tiveram médias diferentes, escolheram cursos diferentes e vão para faculdades diferentes. Ou vão trabalhar, inclusive. Perdemos o contacto com muitos deles ou só nos vemos naqueles jantares nostálgicos de turma. E aí reparamos que crescemos. Já não somos aquele rapaz que usava roupa larga ou sapatos de vela. Ou risco ao lado. As responsabilidades da vida fazem crescer uma pessoa. Já para não falar da imensa quantidade de pessoas que se conhece na faculdade, que mudam a nossa perspectiva perante o mundo. Muitas dessas pessoas acabam por se tornar nossos amigos, mesmo que tenham ideologias diferentes. Porque aos 21, 22 anos, procuras uma pessoas para ter uma boa conversa, debater ideias e beber um copo, sem teres que voltar às conversas revivalistas do género: 'ainda te lembras do básico, quando o X gostava da Y, mas o X acabou por comer a W, que era a melhor amiga da Y?'. 
Quando entras no mercado de trabalho, vais conhecer novas pessoas. Nesta selva competitiva, são poucos aqueles que estão do teu lado, mas mesmo assim, podes fazer bons amigos por lá, que acabam por se identificar contigo. Afinal de contas, não estamos todos sozinhos.

Isto tudo para dizer o quê? As pessoas são como os Pokemons: estão sempre a evoluir, para melhor e para pior. Aqueles amigos ou amigas que ainda ontem estavam a beber um copo contigo ou a ir à praia, a desabafar, são aquelas pessoas que encontras hoje numa festa e que desviam o olhar só para não terem que te cumprimentar. São aquelas pessoas que afinal já não assumem tanta importância na tua vida, pois começas a ter outras prioridades. Tens a agenda diária preenchida e chegas ao final da semana e pensas: 'vou estar com os meus amigos, com a minha namorada ou com ambos?'.
Notas que os teus amigos de outrora dão-se com pessoas que não vão de encontro à tua personalidade, e que muito provavelmente nunca mais os vais convidar para aquela festa ou para aquele café. Com o passar do tempo, cresces. Acabas o curso, vais para o mercado de trabalho e não tens paciências para os filmes e novelas que os teus amigos te fazem. Por vezes, eles pensam que és um esgoto e descarregam todas as frustrações em cima de ti, sem teres a mínima culpa. São injustos contigo porque usam os teus conhecimentos e capacidades técnicas sem respeito pelo teu esforço, como se fosses um mero saco de batatas. Começas a ver que os teus amigos de outros tempos são egoístas e oportunistas. Tradicionalmente, tu só sabes quem são os teus verdadeiros amigos nas horas de maior dor e aperto. Quando estás no poço e com a merda a chegar ao nariz, poucos te vão dar a mão. Nessa altura, perdes amigos, ganhas admiração por alguns e conformas-te com a atitude de outros.

Os amigos de outros tempos passaram para a categoria de conhecidos, pois tu já não partilhas com eles as grandes alegrias da tua vida, já não queres estar com eles a toda a hora e acima de tudo, não te enquadras com a sua personalidade. Percebes que à tua frente, eram panos quentes e sorrisos fáceis. Nas tuas costas, eram facas e línguas afiadas.
Estás a comer sopa de grelos com um amigo, e achas que ficaste com grelos nos dentes depois de terminada a sopa. Levantas-te e vais à casa de banho, e notas que tens os dentes cheios de grelos. A essência da coisa está aqui: o verdadeiro amigo é aquele que diz que tens grelos nos dentes, sem rodeios. O verdadeiro amigo é aquele que se preocupa com as tuas frustrações e que está contigo nas horas nebulosas. O verdadeiro amigo é também aquele gajo que está presente nos momentos mais importantes da tua vida, porque se ele é verdadeiro significa que te acrescentou valor e que queres partilhar algo mais com ele.
E é nesta fase que os amigos que foram despromovidos a conhecidos vão conhecer a dura realidade: a vida é feita de ciclos. Por muito que custe, o sol continuará a nascer e haverá sempre algo para fazer. Não vale de nada sermos orgulhosos, guardar para nós todo o rancor e raiva do passado. Cada um segue o seu caminho e desejo que as metas e ambições individuais sejam alcançadas. Também errei, pois é próprio do ser humano errar. E já fui injusto com alguns amigos. Mas no final, dei o braço a torcer, pois não consigo ficar muito tempo com alguma coisa atravessada na garganta. Faz parte de mim.

Não me custa saber se aqueles que eram meus amigos desviam o olhar ou baixam a cabeça para não me verem. Custa-me mais o facto de não terem a frontalidade e integridade de dizerem que tenho grelos nos dentes. E há-de chegar o santo dia em que vamos comer uma sopa, onde não vou deixar que a pessoa se levante para ir à casa de banho. A isto chama-se 'sensibilidade e bom senso'.

'A vida dá lições que só se dão uma vez'. {Winston Churchill}

Boas leituras,
GC




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